Você já sentiu a dor de um feedback cheio de vieses?

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Você já sentiu a dor de um feedback cheio de vieses?

Você já sentiu a dor de um feedback cheio de vieses?

Hoje tivemos o privilégio de participar de mais um evento que abriu espaço para falarmos das dores sentidas pelas mulheres que têm objetivos de carreira que passam pela ambição de alcançar um cargo de alta liderança.

Mais uma vez ouvimos mulheres falando do sofrimento causado por feedbacks bem pouco assertivos e com os quais têm dificuldade de elaborar um plano de desenvolvimento pessoal que agregue as suas carreiras. Esses feedbacks estão geralmente relacionados com questões comportamentais e deixam muito a desejar na forma como são elaborados. Muitas de nossas coachees e mentoradas também relatam a angústia de receber um feedback sobre performance insuficiente, sem nenhuma coerência com as metas totalmente atingidas por elas ou mesmo ultrapassadas.

Percebemos que pouca coisa mudou. Durante muitos anos algumas de nós correram na busca de treinamento para melhorar comportamentos em função dos feedbacks vagos e completamente desconectados com o contexto e com os resultados obtidos. Por um lado, esses pareceres mostram exemplos e discursos que valorizam atributos que traduzem o líder ideal.  Por outro lado, quando uma mulher assume essas atitudes, ela é recriminada.

Segundo estudo de David G. Smith, Judith E. Rosenstein e Margaret C. Nikolov publicado pela Harvard  Business Review em maio de 2018, intitulado The Different Words We Use to Describe Male and Female Leaders, atribui-se às mulheres significativamente mais adjetivos negativos. Um adjetivo positivado no homem em cargo de liderança se torna uma avaliação negativa quando se trata de uma mulher.

Você já sentiu a dor de um feedback cheio de vieses?

Por exemplo, o adjetivo “seguro” é utilizado para descrever este comportamento positivo quando se trata da avaliação de um homem líder. Quando se avalia uma mulher com o mesmo comportamento, ela recebe o adjetivo com viés negativo, sendo avaliada como “arrogante”. O homem veemente se torna uma mulher egoísta. Mesmo quando dois atributos podem ser positivos, estes tomam teor positivo ou negativo em função de sua aplicação entre o homem ou a mulher. Um exemplo citado é o homem analítico que, no caso da mulher, torna-se um adjetivo negativo alterado para uma mulher compassiva.

O analítico é visto como capaz de raciocinar, interpretar, criar estratégias. A compassiva é tida como muito orientada para o relacional, o que contribui para o ambiente positivo de trabalho, mas pouco determinada nos resultados. E ainda, se o compassivo é utilizado para um homem, se torna atributo positivo, pois neste caso a capacidade relacional é para trazer resultados.

Acontece que esta visão de mundo baseada nos vieses de gênero, além de repercutir na vida psicológica das mulheres, tem impacto direto nas suas carreiras, afeta a visão que se tem delas e a predisposição da liderança nas escolhas para decidir quem promover. A construção social em torno dos papéis atribuídos a homens e mulheres transforma a vida corporativa em um jogo esquizofrênico para as mulheres.

Pausa para um depoimento pessoal de Vera Regina Meinhard:

“Como olho para o mundo vendo equações que se resolvem na medida em que encontramos as variáveis que fazem parte do problema, passei anos buscando obter feedbacks dos meus hierárquicos que me dessem fatos que pudessem apoiar o que diziam e assim poder traçar planos de desenvolvimento. Quando olhava para os lados e via meus colegas fazendo exatamente a mesma coisa, tomei a decisão de me espelhar neles e seguir. Ainda bem que fui educada na observação e aprendi a utilizar minha criatividade integrando a parte funcional dos modelos que me inspiraram, desde que respeitassem meus valores.

Também fui privilegiada por ter encontrado líderes que olhavam muito para os resultados e, mesmo me dando feedbacks com os quais ficava impossível trabalhar, tinham olhos que brilhavam pelos resultados que eu trazia. Desta forma minha equação de carreira no mundo organizacional se resolveu muito bem.

No entanto, no meu mundo emocional, fiquei com esta dúvida durante anos, tentando adivinhar o que acontecia para eu ser tratada de forma diferente de meus colegas. O que levava meus VPs ou Presidentes a me pedirem para corrigir algo que, quando aplicado pelos colegas homens, se tornava um comportamento positivo e recebiam feedback para capitalizarem este mesmo comportamento! Claro que, por muitos anos, isto me causou uma sensação de injustiça permanente que era tratada em terapia para guardar a mente e o espírito sãos.

Quando iniciei meu trabalho com desenvolvimento humano me deparei com a associação do tema Relações de Gênero e Representatividade das Mulheres no Mundo Corporativo.  Confesso que estudar a questão com profundidade foi a minha melhor terapia. Descobri a variável que faltava na minha equação da vida como executiva! Eu sou mulher!”

As mulheres acabam sendo expostas a dois fenômenos.

Um que afeta tod@s os colaborador@s e está relacionado com a  competência da liderança em dar feedbacks.

E outro que afeta de maneira significativa a carreira das mulheres e está relacionado com os vieses de gênero, como vimos no testemunho de Vera Regina. A expectativa sobre a mulher ainda é significativamente construída sobre atributos da energia feminina, como por exemplo, ser generosa, cuidadosa, pacífica.

Quando saímos desta caixinha para percorrer o labirinto que nos permite o privilégio de alcançar postos de alta liderança somos negativamente criticadas. Isto é bem diferente de receber um feedback formulado de forma construtiva, com intenção de levar quem o recebe a compreender, aceitar e entrar no movimento necessário para elaborar e realizar um plano de desenvolvimento pessoal.

Este é mais um dos desafios sistêmicos que as mulheres precisam conhecer e aprender a lidar no dia a dia organizacional. Sem conhecimento dos impactos reais dos vieses de gênero, restringimos as possibilidades e continuaremos a ser um grupo de privilegiadas que chegam e se mantem no topo. Precisamos divulgar mais estes mitos e síndromes criados em torno das relações de gênero hierarquizadas e que dificultam a representatividade das mulheres em todos os níveis organizacionais.

Ficaremos felizes imaginando que muit@s líderes ao ler este texto podem repensar sua atitude com respeito às suas colaboradoras.

E que muitas mulheres despertem, parem de se sentir vítimas e sejam protagonistas para buscar entendimento sobre seu desenvolvimento indo além do visível!

E de maneira geral, que o feedback seja realmente apreciado como ferramenta essencial para o desenvolvimento humano e utilizado de maneira ética e com verdadeira intenção de promover as pessoas na utilização de todo seu potencial.

Vera Regina Meinhard & Mariana Mouret

Fonte:
https://www.linkedin.com/pulse/voc%25C3%25AA-j%25C3%25A1-sentiu-dor-de-um-feedback-cheio-vieses-vera-regina-meinhard/
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