Jogos Olímpicos: overview sobre a Igualdade de Gênero

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Jogos Olímpicos: overview sobre a Igualdade de Gênero

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França e feminismo

Como bem lembra a Professora Maria Jose Tonelli, em seu artigo Dilemas e avanços das mulheres na gestão, a francesa Olympe de Gouges pode ser considerada como a precursora do debate politizado da igualdade de gênero.

O início do sonho democrático francês começou, no dia 5 de outubro de 1789, com as mulheres de Paris. A falta de comida levou-as a se rebelarem e tomarem a decisão de se encarregarem com as próprias mãos pela luta pelos seus direitos. Foi graças a marcha destas mulheres que a família real foi levada para a capital, julgada e condenada.

No entanto, um caso de bropriating fez com que o lema da Revolução — “liberdade, igualdade, fraternidade” — se ocupasse de reivindicar politicamente liberdade e igualdade apenas para a fraternidade entre os homens. As mulheres foram deixadas de lado. A Declaração Universal dos “Direitos dos Homens e Cidadãos”, proclamada pela Revolução Francesa de 1789 não incluía as mulheres. A declaração lhes negava o direito à cidadania e permanecia vaga no tópico dos seus direitos.

Olympe de Gouges, nascida em 1748, desafiou o sistema e começou a assinar suas cartas como “citoyenne” (cidadã) e escreveu em 1791 a declaração dos “Direitos das Mulheres e Cidadãs”. Esta declaração incluiu as mulheres nos direitos que antes eram dados apenas aos homens. Sua coragem incomodou e custou sua vida. Ela foi presa, submetida a um julgamento injusto e guilhotinada em 3 de novembro de 1793.

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Faz tempo que as mulheres francesas lutam por um espaço, assim como todas nós que acreditamos que a igualdade de direitos e oportunidades é o que permitirá a cada uma e a cada um de nós de escolher a vida que queremos ter. Portanto, estamos nesta luta há 231 anos e as pesquisas mostram que no ritmo atual ainda levaremos 134 anos para atingir a igualdade de gênero. Difícil acreditar, não é mesmo?

Mas, vamos lá, mais alguns exemplos de feministas francesas e do timing.

Quase 120 anos se passaram e pouco mudou entre a época de Olympe de Gouges e a de Marie Curie, nascida em 1867. Esta foi mais uma feminista sofrendo muita discriminação. Ela lutou imensamente contra o machismo estrutural para receber reconhecimento, e mesmo para poder continuar trabalhando no desenvolvimento da teoria da radioatividade. Foi a primeira mulher a ser laureada com um Prêmio Nobel e a primeira e única mulher a ganhar o prêmio duas vezes (física em 1903 e química em 1911). Esta cientista também foi a primeira mulher a ser admitida como professora na Universidade de Paris. E, em 1995, se tornou a primeira mulher a ser enterrada por méritos próprios no Panthéon de Paris. Vale a pena ver o filme Radioactive (2020), ele que traz a biografia de Marie Curie e sua luta para exercer sua missão como cientista.

Mais uma feminista francesa, Simone de Beauvoir, nascida 41 anos depois de Marie Curie, em 1908, era considerada fora dos padrões convencionais para a sua época. Ela também lutou contra o machismo estrutural e se impôs como  escritora e filósofa nos anos 1920. A academia ainda era reclusa e conservadora para ideias feministas e mais progressistas. Ela teve uma contribuição essencial na luta feminista com sua obra prima O Segundo Sexo.

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Em 1927, quase 20 anos depois, nasce Simone Veil. Uma mulher que sobreviveu aos campos de concentração do Holocausto e lutou muito para exercer sua missão. Foi a Ministra da Saúde que aprovou, em 1974, o projeto de lei que descriminalizou a interrupção voluntária da gravidez na França. Foi também a primeira mulher a presidir o Parlamento Europeu (1979-1982). O filme Simone Veil –  a viagem do século, é um marco importante no cinema biográfico que busca trazer visibilidade para as mulheres.

Nesta mesma época nasce Coccinelle, em 1931, estrela de cabaré e pioneira na luta pelos direitos de mulheres trans. Ela foi a primeira celebridade francesa a mudar oficialmente de gênero, em 1958. Na década de 1960, chamou a atenção de todo mundo por ter seu casamento aceito pela Igreja. Ela desafiou preconceitos de gênero em uma época em que a questão LGBTQAI+ não era discutida como é atualmente. Em 2017, sua existência inspiradora foi homenageada com uma praça em Paris batizada com seu nome. A nomeação do local é vista como um avanço na mentalidade e como uma abertura para aprofundar o debate da questão trans.

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A França é palco do feminismo há muito tempo. No entanto, o machismo ainda reina por lá de forma forte. Segundo a pesquisa criada em 2006 pelo Fórum Econômico Mundial, o Global Gender Gap Report, os resultados apurados em 2024 na dimensão Participação Econômica e Oportunidades, mostram que a França, dentre os quase 150 países que fazem parte desta observação, ocupa apenas o 48º lugar. E, ainda precisa trilhar 27,4% do caminho para alcançar a paridade de gênero na participação econômica e acesso as oportunidades. O véu erguido com a queima dos sutiãs levou tempo para ser derrubado. Nos anos em que vivi na França, eu dizia: “O machismo francês se apresenta como o racismo no Brasil. Quando se afirma a inexistência, fica difícil encontrar solução. Não se busca resolver um problema cuja existência nós negamos”. Durante muito tempo se confundiu liberdade sexual com diretos iguais. No meu livro Vamos voar juntas?, publicado em 2023, eu trago muitos exemplos dos meus mais de 25 anos como executiva de empresas Francesas ou baseadas na França.

Por que será que o feminismo e jogos olímpicos também estão conectados com a França? Porque as mulheres fizeram sua primeira aparição nos Jogos Olímpicos de Paris em 1900, competindo em apenas duas das 13 modalidades esportivas daquela edição. As atletas tiveram permissão para participar só nos jogos de golfe e tênis. Nesta ocasião, eram 975 homens e apenas 22 mulheres, elas representaram 2,2% do total de atletas.

Festejar é necessário, traz esperança, coragem e determinação

A luta continuou e pouco a pouco, a cada edição dos jogos olímpicos, uma nova conquista. Nos Jogos de Amsterdã, em 1928, puderam participar das provas de atletismo. Em 1964 em Tóquio, puderam participar do primeiro esporte coletivo com suas equipes de vôlei. Entraram na competição do basquete em 1976 nos jogos de Montreal. E, em 1986, participam do futebol e do judô nos jogos de Atlanta.

Em 2012, pela primeira vez na história, nos Jogos Olímpicos de Londres, 112 anos depois da primeira participação, as mulheres conseguiram o direito de participar de todas as modalidades. Finalmente as mulheres estavam presentes em todas as delegações.

Foi realmente uma longa luta. Por sinal, vale lembrar que Coubertin em 1925, alegou que ao se permitir a participação das mulheres nos jogos olímpicos traia-se o ideal olímpico. Difícil de entender e aceitar uma alegação destas.

Este ano, 124 anos depois da primeira participação nos jogos olímpicos as mulheres são 50% do total de atletas. Paris volta a fazer história no feminismo! Nesta edição, temos 5.250 homens e 5.250 mulheres nas competições.

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Fiquei emocionada ao ver Clarisse Agbégnénou levando a chama olímpica.

Ter consciência e sair do autoengano é essencial

Sim, temos que festejar a paridade alcançada nos Jogos Olímpicos. E, ao mesmo tempo manter nosso foco nos dados com respeito a paridade na vida econômica e política. Não podemos deixar a purpurina desta festa nos enganar. Convido vocês para conhecerem alguns dados sobre a situação da igualdade de gênero na França, no Brasil e no mundo em duas das dimensões-chave medidas pelo Fórum Econômico Mundial: Participação Econômica e Oportunidade e Empoderamento Político.

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Segundo o Global Gender Gap Report nós não avançamos nos últimos 4 anos, muito pelo contrário. Se em 2020 precisávamos de 99,5 anos para alcançar a igualdade de gênero, no ritmo atual precisávamos de 131 em 2023 e em 2024 precisamos de 134 anos. Parece que temos colocado mais esforços em festejar do que trabalhar pela igualdade de gênero. Acredito que agora é hora de arregaçar as mangas novamente e colocar toda nossa determinação nos trabalhos essenciais para sairmos do lugar.

Como conclui na minha última pesquisa que deu origem ao artigo acadêmico publicado em maio deste ano na GV-Executivo, Os Desafios Sistêmicos dos vieses de gênero, precisamos fazer diagnósticos mais profundos para entender melhor os próximos passos.

Mesmo a França que iniciou o feminismo com Olympe de Gouges nos anos 1780, ainda pena para alcançar a igualdade de diretos para as mulheres na participação econômica e política. Quase 250 anos depois, a França ainda precisa percorrer 27,4% do caminho para atingir a igualdade de gênero na participação econômica e 57,2% para atingir a participação política com paridade. Triste é ver que a situação piorou na França entre 2020 e este ano no que diz respeito a participação política, em 2020 faltavam 54,1% do caminho, 3 pontos percentuais a menos que em 2024.

No Brasil, a situação é pior. No ranking geral, em 2024, enquanto a França ocupa o 22° lugar, o Brasil ocupa o 70°. E, ainda precisa percorrer 6 pontos percentuais a mais no quesito participação econômica e 20,8 pontos na participação política.

Enquanto ouvirmos mulheres e homens dizendo que mulheres podem ser o que quiserem sem precisar adotar comportamentos de homem, estamos perpetuando a visão binária e machista da sociedade. Não existe comportamento de homem ou de mulher. Podemos ser quem quisermos. Nascemos como seres humanos dotados de feminino e masculino. Uma mulher posicionada não é uma mulher com comportamento de homem, é só uma mulher posicionada. Uma mulher capaz de direcionar um problema, não é mandona, é um ser humano capaz de liderar. Um homem sensível é um ser humano que reconhece suas emoções e sua vulnerabilidade, não é um homem com mimi de mulherzinha.

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Precisamos fazer um reset da nossa educação para aprender que comportamentos não são biológicos e sim desenvolvidos. Precisamos mudar nossa linguagem para falar de atributos do feminino e do masculino, e aprender que todo ser humano nasce com ambos. Só assim podemos sair dos estereótipos de homem e mulher. Isto significa fomentar a cultura de igualdade de gênero nas organizações públicas e privadas para que as pessoas colaboradoras sejam motoras e multiplicadoras, internamente e na sociedade, de comportamentos que promovem a igualdade de gênero.

Então sim, as mulheres precisam se apropriar das suas possibilidades desenvolvendo o polo masculino que a educação sequestrou delas. Os homens precisam resgatar o direito de viver seu polo feminino.

Que as mascotes escolhidas para os Jogos Olímpicos de Paris de 2024, as phryges, representando a liberdade e Marianne, a mulher que personifica a revolução, sejam também uma inspiração para a luta feminista. Um impulso para acelerar o ritmo dos diagnósticos e trabalhos que visam uma evolução nas relações entre os homens e mulheres para alcançarmos mais rapidamente a igualdade de oportunidades e responsabilidades para ambos os gêneros.

Espero que este texto seja motivador e inspire você para conhecer cada vez mais as evoluções e dificuldades do movimento feminista.

👉 Ficarei bem feliz em contribuir com você nesse processo! Vamos conversar?

Nos vemos em breve,

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Sobre Vera Regina Meinhard

Sou Vera Regina Meinhard, amo conectar pessoas para promover a consciência sobre a importância da inclusão da diversidade no alcance do sucesso sustentável, em especial a igualdade de gênero. Mestra em Sustentabilidade & Governança, sou criativa, inovadora, realizadora de sonhos e mãe da Saskia.

Meu propósito é contribuir com o desenvolvimento das pessoas. Após 25 anos como executiva do Groupe Renault France, desde 2013, por meio de diferentes abordagens, coloco-me integralmente à disposição deste propósito atuando na sociedade como escritora e empreendedora para trazer soluções em desenvolvimento humano: Consultoria em Gestão de Cultura Organizacional voltada para ESG e Inclusão da Diversidade, Facilitação de workshopsMentoria Individual e ColetivaPalestrasTreinamentos e Coaching.

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