PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

  /  Artigos   /  PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?
PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

Há muito tempo me questiono sobre nossa responsabilidade como cidadãs e cidadãos no exercício dos nossos diferentes papéis: por exemplo, como pessoas educadoras, no exercício da maternidade e paternidade.

Como líderes, contribuindo com as organizações empresariais ou governamentais. Ou ainda, como pessoas influenciadoras, propagando ideias e produtos para consumo.

Lendo o artigo da semana passada, do Carlo Linkevieius Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil e colunista do Valor Econômico S/A, ao me deparar com a frase abaixo, parei novamente para me questionar sobre nossa atuação no exercício das nossas responsabilidades e sobre tantos acordos e pactos que já assinamos.

“A guerra traz consigo não apenas o terror físico das batalhas, mas uma dor que transcende fronteiras, atingindo o âmago do tecido social e humano. Ela se manifesta no olhar vazio de uma criança que não conhecerá seus pais, na devastação de comunidades inteiras e no pesado ônus psicológico que carregamos”

Com tristeza constatei que meu sentimento é de desolação. Mesmo eu, uma pessoa reconhecida pela família e pelo meu círculo de amizades como alguém ultra positiva.  Alguns até ousam dizer que sou ingênua por acreditar tanto neste potencial do bem. O que será que me leva para este sentimento de caos, de ausência de luz no final do túnel? Parece que minha fé no potencial positivo da humanidade passa por momentos de dúvida.

Decidi reler a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.

PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

Queria verificar se minha lembrança dos direitos enunciados nesta declaração estava correta. Sim minha lembrança é correta. Em cada artigo esta declaração fala dos nossos direitos. Três deles me chamam particularmente a atenção neste momento:

  • Artigo 3: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
  • Artigo 28: Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
  • Artigo 30: Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Onde é que erramos? Este pacto de 1948 aconteceu porque as lideranças estavam abaladas com os horrores da Segunda Guerra Mundial. O objetivo deste pacto foi promover novos alicerces ideológicos e construir em conjunto um mundo onde as pessoas fossem respeitadas e tivessem sua dignidade assegurada. Apesar de não ter base jurídica, esta declaração da Assembleia Geral da ONU teve como objetivo estimular cada indivíduo e cada órgão da sociedade a se esforçar para promover o respeito aos direitos e liberdades nela estipulados. Os povos dos próprios estados-membros deveriam assegurar o reconhecimento da declaração e a sua observância universal e efetiva, tanto entre eles, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Será que o problema desta declaração é citar só direitos? Deveríamos ter citado, de forma detalhada, a responsabilidade de cada um dos países membros da ONU?

O preambulo da DUDH, diz:

“… os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades.”

Parece que ele é totalmente insuficiente. Estamos bem distantes desta realidade. Quando falamos de ESG, me parece claro que o S está totalmente conectado com esta declaração, não é mesmo?

Anos depois, em 2000, a ONU lançou um novo pacto.

PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

Desta vez, era para provocar a participação das empresas. Nele se solicita que as organizações signatárias alinhem suas estratégias e operações aos Dez Princípios universais deste pacto, nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção. Assim como, a desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade. Ele foi nomeado Pacto Global, abrange 160 países e já tem mais de 16 mil participantes, entre empresas e organizações.

Sabe qual é o princípio número 1 do Pacto Global?

“As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente”

Ora, os direitos humanos a serem respeitados pelo Pacto Global da ONU são exatamente aqueles da DUDH, também da ONU.

Vejamos, entre 1948 e 2000, cinquenta e dois anos se passaram. Se pensarmos, por exemplo, na miséria mundial e acesso à saúde, já podemos concluir que os estados-membros não cumpriram seu compromisso que era assegurar o reconhecimento da declaração e a sua observância universal e efetiva.

Agora, vinte e três anos após a criação do Pacto Global da ONU, nem estados membros da ONU, nem empresas signatárias do pacto, promovem efetivamente o respeito destes direitos humanos.

Diante deste panorama, vejo que a questão levantada por Carlo Linkevieius Pereira, neste mesmo artigo, “qual é o papel das lideranças empresariais?” precisa de uma resposta.

PACTOS, RESPONSABILIDADES, E REALIDADE, onde erramos?

Parece, na minha opinião, que o papel definido é claro. No entanto, a dificuldade é ver estas lideranças cumprirem este papel. Como responder a esta questão? Quão próximos estão os interesses individuais destas lideranças, dado que o stakeholder principal e que direciona as decisões ainda é o acionista?

A maioria das empresas estão calcadas em valores de dominação, ambição egóica e competitividade desenfreada. Além de buscarem crescimento acima de tudo.

Muitas pessoas falam em nova economia, como algo que vai mudar o mundo. Que as novas gerações já não aceitam mais viver desta forma egóica. No entanto, vejo as startups que se tornaram unicórnios, totalmente calcadas nos mesmos valores. Por exemplo, o crescimento: contratam muitas pessoas para justificar investimentos e não têm o menor pudor em fazer layoffs na sequência.  Não vou citar nomes porque meu objetivo não é focar na empresa X ou Y, e sim no comportamento de uma maioria de líderes independentemente da geração.

E se pensarmos nos Lobbies? Por exemplo, o que será que a liderança da indústria de armamento pleiteia junto aos governos? Será que a paz interessa realmente? Também podemos questionar se paz é do interesse das grandes empresas de construção civil. Nas guerras, uma mata e destrói, a outra reconstrói.

Podemos, ainda, lembrar das empresas signatárias do pacto global que tiveram escândalos de trabalho escravo, que causaram acidentes ambientais e mataram muitas pessoas, roubando a dignidade de muitas outras. O pior, mais de 2 anos após estes acidentes, as pessoas que tudo perderam ainda não receberam as indenizações.

A lista de descasos com os 10 princípios do Pacto Global da ONU é enorme.

As lideranças empresariais devem ser responsáveis pela maneira como estão obtendo seus lucros. Como os estados membros não fazem o necessário para cumprir com sua responsabilidade no que diz respeito à DUDH, vivemos uma conivência no sentido oposto aos diretos declarados nesta mesma declaração.

Carlo Linkevieius Pereira diz ainda em seu artigo:

« A liderança empresarial precisa adotar uma postura mais humanista e responsável, não apenas considerando os impactos diretos nos negócios, mas também a responsabilidade social que possuem. »

Volto a insistir que esta questão está totalmente relacionada à nossa educação binária que separou o ser humano em dois tipos:

  • As mulheres, com atributos que as preparam, entre outros, para acolher, cuidar, colaborar, ter mais empatia, ser guardiã da família, reconhecer a interdependência, focar no desenvolvimento.
  • Os homens, com atributos que os preparam, entre outros, para buscar a dominação, ter uma ambição egóica, buscar crescimento independente dos danos, competir acima de tudo, pois precisam ser vencedores.

Enquanto não trabalharmos efetivamente para humanizar as organizações por meio da valorização dos atributos do feminino, fica impossível acreditar que estas lideranças farão os esforços necessários para promover o respeito aos direitos e liberdades estipulados, tanto na DUDH como no Pacto Global. Convido vocês a lerem meu artigo “SDG e ESG: Gestão de Cultura e valores femininos” publicado na revista Exame em 5 de fevereiro deste ano de 2023. Nele trato esta questão de forma mais detalhada.

E, quando falamos das pessoas individualmente? Infelizmente, esta frase de Carlo Linkevieius Pereira traz mais uma triste realidade:

“para aqueles de nós distantes dos campos de batalha, pode ser fácil se desconectar da realidade dos conflitos.”

Estamos vivendo em um mundo onde quem está distante das guerras, da fome, da vida sem dignidade, se abstêm desta realidade, e vive como se o mundo fosse representado pelo conto de fadas da sua bolha. Este conto de fadas é realidade para uma parte extremante pequena da população mundial.

O Relatório Mundial da Desigualdade de 2022 revelou os efeitos brutais da economia global.

Ele colocou em evidência uma triste realidade: os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza e 52% da renda, enquanto metade da população mundial fica com apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda (Piketty et al., 2022).

“Essa polarização crescente já havia sido indicada na edição de 2018 do relatório elaborado pelos pesquisadores do World Inequality Lab. No fundo, esse trabalho impressionante de análise e sistematização dos indicadores econômicos, sob a coordenação de Thomas Piketty, revela as estruturas dos regimes desigualitários dos cerca de cem países analisados pelo estudo e entre eles.

Para Piketty (2020 , p. 12), tais regimes são caracterizados “por um conjunto de discursos e dispositivos institucionais que visam justificar e estruturar as desigualdades econômicas, sociais e políticas de uma determinada sociedade”.”

Daniel Goleman, em seu livro FOCO, traz reflexões sobre a ciência da atenção. O grande sucesso deste livro está relacionado com a visão de que o livro seria um guia sobre como manter a atenção no que de fato interessa e ter sucesso. Ele é muito mais amplo do que isto. Ele traz algumas análises sobre a capacidade das pessoas pertencentes ao grupo dos 10% mais ricos desviarem a atenção da miséria.

Toda competência que desenvolvemos tem lados positivos e negativos. Parece-me, justamente, que ao deixamos de perceber o lado negativo do foco, esquecemos nosso papel como cidadãs e cidadãos. Esquecemos que temos um papel na manutenção de uma coletividade sadia que respeita a DUDH.

Agora a moda é o ESG. Digo moda porque vejo ainda muito ESG-washing e pouca efetividade. O ESG quer alcançar um capitalismo de stakeholders. No entanto, o acionista continua sendo, na maior parte dos casos, o único privilegiado, pois a maximização dos rendimentos é o objetivo de curto prazo que se sobrepõe aos de longo prazo que dizem mais respeito ao meio ambiente (E) e ao social (S). Ora, E e S englobam todos as outras partes com papel de stakeholder. Será que a ausência de combate a todo este washing é porque ainda somos incapazes de definir verdadeiras métricas para avaliar a efetividade das ações anunciadas pelas organizações?

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, dia 20 de outubro de 2023, sua Resolução CVM 193. Ela dispõe sobre a elaboração e divulgação, de forma voluntária, do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. Esta disposição abrange as companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras. Este relatório deve ser elaborado com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).

Quando se trata de sustentabilidade, prosperidade significa velar por uma distribuição de renda na qual todas as pessoas vivam com dignidade e possam escolher a vida que querem ter. Isto significa que as pessoas colaboradoras precisam efetivamente serem consideradas como stakeholders. Enquanto isto deixar de ser uma realidade, o ESG inexiste, pois ele será uma tarefa de um setor que corre atrás das informações para preencher relatórios do Pacto Global e da CVM, entre outros. ESG é um processo sistêmico, trata-se de gestão de cultura organizacional, o que por sua vez implica engajamento de todas as pessoas da organização.

Acredito que outra questão fundamental seria: qual é o papel das lideranças governamentais?

Fica difícil, para mim, ver tantos homens buscando impor suas vontades, querendo dominar economicamente e culturalmente regiões, anexando-as, por meio de guerras nas quais quem morre são pessoas adultas e crianças civis inocentes.

Queria ver estes homens lutando nas trincheiras com as pessoas que eles enviaram como soldados para morrer nestas guerras.

Confesso que sinto falta da Angela Merkel! Ela faz falta nas negociações do que os diplomatas chamam de tensões geopolíticas, e eu chamo de guerra egóica de poder! O que agora chamam de conflitos da nova guerra fria, para mim, é mais uma demonstração de guerra de poder entre duas ideologias econômicas e políticas!

Minha crença incondicional na humanidade está abalada. Felizmente, ela se restabelece com a energia de cada pessoa ao meu redor que manifesta sua busca pela paz. Obrigada Valeria Vargas pelo envio deste vídeo que nos convida a exercitar a paz.

COMERCIAL A PAZ – WASHINGTON OLIVETTO

Ele chegou em bom momento: “Pegue o estoque de PAZ que você ainda tem em você e use”. Quanto mais eu e você nos exercitamos, mais desenvolvemos nossa capacidade de gerenciar conflitos.

Quando a maioria das pessoas acreditar na PAZ e quiser viver na PAZ, seremos capazes de agir:

  • Exercendo nosso direito de voto com consciência para eleger pessoas pacíficas.
  • E, escolhendo nossos produtos e serviços de forma a exigir das lideranças empresariais o exercício de suas funções respeitando efetivamente os direitos e liberdades acordados no Pacto Global da ONU assinado em 2000.

Infelizmente, apesar de nos comprometermos com direitos de liberdade e vida próspera para todas as pessoas, ainda estamos longe deste objetivo.

A paz demanda expansão de consciência, é preciso uma evolução de atitude para expressarmos comportarmos em prol da PAZ. Convido cada uma e cada um a buscar cada vez mais o exercício do autoconhecimento para nos conectarmos com nosso propósito de vida e valores do bem comum. Prezo pela individualidade forte e próspera, pois é a partir dela que, em conjunto, construiremos um mundo mais justo e humano. Este passo depende das pessoas que estão nas lideranças, pois são necessários recursos para investirmos em desenvolvimento humano. Conto com vocês para cada vez mais trazermos para as organizações uma cultura que valoriza os atributos femininos, essenciais para esta humanização.

Até semana que vem!

Sobre Vera Regina Meinhard

Sou Vera Regina Meinhard, amo conectar pessoas para promover a consciência sobre a importância da inclusão da diversidade no alcance do sucesso sustentável, em especial a igualdade de gênero. Mestra em Sustentabilidade & Governança, sou criativa, inovadora, realizadora de sonhos e mãe da Saskia.

Meu propósito é contribuir com o desenvolvimento das pessoas. Após 25 anos como executiva do Groupe Renault France, desde 2013, por meio de diferentes abordagens, coloco-me integralmente à disposição deste propósito atuando na sociedade como escritora e empreendedora para trazer soluções em desenvolvimento humano: Consultoria em Gestão de Cultura Organizacional voltada para ESG e Inclusão da Diversidade, Facilitação de workshops, Mentoria Individual e Coletiva, Palestras, Treinamentos e Coaching.

1
0
Post a Comment