A praia é nossa

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A praia é nossa

A praia é nossa

ESG, níveis de consciência e planalto

Lá vamos nós! A PEC das praias (N°3/2022), que diz respeito aos chamados “terrenos de marinha”, é mais uma questão que pode demonstrar em que nível de consciência se encontram as pessoas que nos governam a partir do planalto, lá de Brasília. Para imaginar uma PEC, e propor, que transfere estas áreas a estados e municípios de forma gratuita ou a ocupantes privados mediante pagamento, e pior, votá-la na calada da noite do dia 22/02/2022, penso que posso dizer que os valores motivacionais destas pessoas ainda não englobam a coletividade.

Este projeto de 2011, votado em 2022, a PEC 39/2011, recebeu 377 votos favoráveis e 93 contrários no primeiro turno. No segundo turno foram 389 pelo sim e 91 pelo não. Dos 513 deputados e deputadas federais, 76% aderiram, 6% se abstiveram, e só 18% foram contra.

Parece que a grande maioria, 82%, vive com valores em níveis de consciência que ainda impedem o estabelecimento de debates de forma transparente, com a clareza necessária para envolver toda a comunidade na conversa, na análise e na tomada de decisão com pensamento sistêmico. Esta forma colaborativa de se trabalhar as legislações e alterações da constituição, envolve valores motivacionais essenciais para se caminhar com os princípios do  ESG (environmental, social, governance). São valores considerados por Richard Barrett de nível de consciência 5, 6 e 7.  Nestes níveis encontramos uma vida com propósito que envolve a comunidade de forma ampla, nossa contribuição é sistêmica e de longo prazo.

As análises feitas por Beck e Cowan, a partir dos estudos de Clare Graves, deram origem a teoria da Dinâmica da Espiral. Nela, estes valores também permeiam nossa vida quando acessamos a individuação, e damos um salto quântico na nossa evolução pessoal: passamos a tomar decisões considerando que todas as pessoas importam.

Tudo isto passa também pelo desenvolvimento da nossa capacidade de valorizar os atributos do feminino. Em vez de supervalorizar os atributos masculinos que colaboram com a cultura nomeada como Masculinity Contest Cultures (MCC). Esta cultura é reconhecida por causar um clima disfuncional. Nela as características do estereótipo masculino, em vez de serem positivadas são exacerbadas para criar um jogo onde só existe um vencedor. Se só existe um vencedor, as outras partes são perdedoras. Esta mentalidade não é nada favorável ao ESG, que tem como princípio responder às necessidades de todas as partes.

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Gostaria muito de dizer para vocês que temos governantes que fizeram este salto quântico em sua evolução pessoal, e por esta razão se candidataram para cuidar de todas e todos nós. Que sonho delicioso! Imaginem a redução da ansiedade coletiva.

Infelizmente, trago péssimas notícias. Parece que nós também não fazemos bem nossa lição de casa e elegemos pessoas que vivem a entropia, tomando decisões para saciar seus medos de não terem nem serem o suficiente. Assim, trabalham na calada da noite para tirar vantagem em tudo e ganhar mais do que precisam, mesmo se isto acaba com a comunidade, socialmente e climaticamente. E ainda, como vivem com a ilusão de serem pessoas acima da lei, estão mais preocupadas em dar seus “jeitinhos” para serem as únicas vencedoras. Bem diferente do papel das pessoas em cargos de governo, que na opinião, é fazer uma diferença positiva na vida de suas eleitoras e eleitores.

Aproveitam-se da ignorância da população e da vida dura do dia a dia. A grande maioria precisa trabalhar se superando a cada minuto, vendendo, muitas vezes, o jantar para almoçar. Isto deixa a maioria da população sem tempo para olhar para estas questões. É preciso reconhecer que vivemos uma realidade onde o egoísmo constrói um círculo perverso que se retroalimenta da pobreza para manter uma maioria na ignorância, e assim tirar vantagem.

Parece que escolhem a vida política e querem se eleger para promover um estado que beneficie quem tem o poder de legislar, ou beneficie as pessoas que patrocinam suas campanhas eleitorais. Que triste.

Mais triste ainda é investigar e começar a ver que por trás destas pessoas em cargos de deputados, deputadas, senadoras e senadores, estão EMPRESAS que se declaram ESG, financiando este círculo perverso. Na realidade, elas visam, sobretudo, obter a votação de leis que beneficiem seus negócios.

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Além de falta de acesso à legislação, a história é esquecida

As praias fazem parte dos “terrenos de marinha”, por razões de soberania, defesa e justiça social. E agora, claramente para que os impactos climáticos sejam trabalhados de forma governada. Então, sim, este assunto é ESG.

A Lei Federal nº 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, determina em seu Artigo 10 que as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. Esta mesma lei é clara em seu Artigo 5,  § 1º “A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei”.

Hoje esta lei permite a posse, o que não é propriedade. Aquele que é proprietário é também possuidor, mas nem todo possuidor é também proprietário. Esta posse tem prazo e é outorgada em contrapartida do pagamento do foro e do laudêmio.

Precisamos prestar muita atenção nos detalhes da proposta desta PEC N°3/2022. Isto inclui as alterações anunciadas após as reações nas mídias sociais. Não podemos acreditar nas falácias, precisamos ler a PEC e acompanhar suas evoluções até sua entrada final em votação. Lembrem-se, muitas vezes fazem alterações na calada da noite para não vermos!

Segundo o artigo do dia 27/05/2024 da Revista Exame de Ana Carolina Montoro, “ambientalistas afirmam que o texto dá margem para a criação de praias privadas, além de promover riscos para a biodiversidade”.  “Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha, da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, afirma ainda que a proposta representa uma “grave ameaça ambiental às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues brasileiros e um aval para a indústria imobiliária degradar, além de expulsar comunidades tradicionais de seus territórios“.

Que tal utilizarmos os fatos do presente para imaginar uma das consequências desta PEC?

Hoje a lei define claramente que as praias são propriedade de marinha e, mesmo assim, temos hotéis que dificultam o acesso. Isto é uma forma de privatizar a praia. Hoje, só tendo uma posse, já se acham com direito de pessoas proprietárias e dificultam nossa entrada. Imaginem se se tornam pessoas proprietárias?

Você lembra do caso do Hotel Sheraton Grand Rio Hotel & Resort inaugurado no Rio de Janeiro em 1970? Lembra que em 1973 houve inclusive uma divulgação dizendo que a praia do Vidigal é “exclusiva” do Sheraton?

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Logo a pressão social impôs um esclarecimento. No entanto, o Sheraton estimou que a solução do problema se resolve com um falso acesso. Construiu e disponibilizou uma longa escadaria, com 141 degraus e muito desconfortável. Este é até hoje o único acesso para quem não é hóspede do hotel. Eles estavam certos ao decidirem que esta solução calaria o povo. A praia é nossa, no entanto, até hoje este é o único acesso, e é inviável. Recomendo um artigo de 2017 “Roubaram a praia do Vidigal” do Rogério Daflon. Nele encontramos um resumo da história da construção e relatos que trazem a realidade vivida pelas pessoas que moram no Vidigal e apreciavam esta praia:

“Com a minha idade, fica impossível encarar aqueles degraus’’

“o hotel criou “um apartheid””

Também posso contar uma experiência que provoquei e vivi em julho de 1988 no Club Med do Rio da Pedras em Conceição de Jacareí, Mangaratiba – RJ, 23860-000. O único acesso para a praia era a entrada do hotel no Km 445.5 s/n da Rodovia BR-101. De férias no Brasil, levava um amigo francês para conhecer o Rio de Janeiro. Como saímos de Sampa, aproveitei para fazer uma parada em Ilha Bela e depois em um resort em Angra do Reis. Como já conhecia o hábito de resorts no Brasil, e mesmo de algumas pousadas, dizerem que suas praias são privadas, decidi ver o que uma organização francesa, que no seu país respeitaria bem a lei, sem pestanejar, andava fazendo por aqui. Adivinhe? Foi informada que não poderia entrar se não fosse hóspede! Bem equipada, mostrei para o guarda que me impedia de entrar a Lei A Lei Federal nº 7.661/1988.

Claro que o guarda era brasileiro. E, um oprimido mal resolvido, que representava bem o seu papel de opressor, aquele do oprimido que acha que mudou de lado. Tranquilamente eu expliquei que iria chamar a imprensa etc. e tal e era melhor ele chamar o gerente da unidade. Claro que rompi as barreiras, porque conheço a lei. Quantas pessoas teriam este acesso? Ou têm? Pela publicidade no google, em 2021 ainda falavam de “praia praticamente privada”, dando como razão a ausência de compartilhamento desta com condomínios. Incrível não terem citado a população local. Imagino isto acontece porque, pela foto do satélite atual do google, ainda inexiste acesso para esta população.

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Outro exemplo, trazido pela oceanógrafa Mariana Amaral: “caso a PEC entre em vigor, as pessoas não terão livre acesso às praias. Ela citou, por exemplo, as praias que ficam dentro de condomínios no litoral de São Paulo.” Assim como as praias do Rio, elas são públicas, mas como no Rio, os acessos são complicados para desestimular a utilização .

Coloco frequentemente em prática uma questão que meu pai me ensinou para verificar se uma ação minha pode ser pouco ética e nada justa.

Se todo mundo fizer o que você quer fazer, isto vai ser bom para toda a coletividade? Vai prejudicar a longo prazo? Vai trazer problemas para uma parte das pessoas enquanto outras se beneficiam? Isto também tem muita conexão com as reflexões trazidas por Michael Sandel em seu livro Justiça – O que é fazer a coisa certa?

De certa forma, esta questão facilita muito a integração do coletivo nas minhas reflexões e decisões. Por exemplo, se todo mundo consumir água de maneira irresponsável vai faltar, e podemos viver a corrida de Mad Max a estrada da fúria. Conclusão, preciso cuidar da água.

Ou ainda se todas as pessoas que podem efetivamente, quero dizer, têm dinheiro para comprar todas as áreas de propriedade de marinha, vai ser bom para  toda a coletividade? Não, pelo menos por duas razões. Se todas as pessoas que se tornam proprietárias fizerem como o Hotel Sheraton do Vidigal, acredito que não. Em um país onde 90% das cidadãs e cidadãos têm renda inferior a R$ 3,5 mil por mês e 70% ganham até dois salários mínimos, fica difícil imaginar que possam se beneficiar desta PEC n°3/2022, não é mesmo?

Para mim, fica fácil perceber que quem move a reforma da PEC, para a privatização das praias, são pessoas que querem regularizar uma situação que vai permitir empreendimentos de lucrarem ainda mais, ignorando direitos de pelo menos 90% da população brasileira.

Isto é justo? É ético? Você dorme bem deixando esta PEC rolar?

Outra questão importante. Ouvi e vi um homem político defendendo a privatização utilizando uma falsa informação dos países desenvolvidos. Ele dizia que por lá as praias são privatizadas. Será? E as pessoas estão contentes?

Na França, por exemplo, as praias não podem ser privadas, o domínio público marítimo, que inclui o mar e as praias, é reconhecido como inalienável. Desde uma decisão do Conselho de Estado de 1858 ninguém pode tornar-se seu proprietário. Existem concessões em parte, sem retirar acesso. E como estas concessões têm perturbado a ocupação dos espaços de forma socialmente justa, as pessoas começam a questionar estas concessões.

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A situação na Espanha, cujas praias ficam totalmente ocupadas desde o amanhecer, na Grécia onde foram privatizadas ao extremo, e ainda na Itália onde se tornaram objeto de uma verdadeira exploração financeira, tornam o assunto explosivo para os habitantes destas regiões. Em resposta, os movimentos de protesto tomaram forma. Ou seja, a experiência até existe, e ela é negativa.

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As redes sociais criaram a oportunidade, vamos nos posicionar e Defender nossas praias, vamos ser ESG

Roubo aqui uma frase do André Trigueiro que ouvi no globo News: as redes sociais têm o mérito de trazer interesse para assuntos que pareciam desinteressantes.

Obrigada André Trigueiro por lançar o debate.

Por isto, acredito na liberdade de expressão e na importância da educação que pode permitir a diferenciação das informações, baseadas em fatos e ciência, das fake News. As informações permitem os debates coletivos para decisões que podem vir a evoluir e respeitar os princípios do ESG. As fake News visam desviar o assunto e evitar o debate central no qual cidadãs e cidadãos exercem sua cidadania.

Obrigada Luana Piovani e Pedro Scooby por animar o debate e criar um movimento que solicita nosso interesse e participação ativa.

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Outro mérito das redes sociais é criar este espaço para trazermos mais informações.

Eu pesquisei, me posicionei e acabei de assinar um abaixo-assinado contra a privatização das praias e preciso da ajuda de vocês. Vamos todas e todos em conjunto fomentar este debate e colocar pressão no planalto para que façam seu trabalho. Clique no link, assine! https://marinadomst.com.br/tire-as-maos-da-nossa-praia/.

Também convido vocês a se manifestarem dando suas opiniões na manifestação organizada pelo senado: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151923

Espero que este texto seja motivador e também te inspire a querer conhecer melhor os processos de evolução com base nos níveis de consciência, tão essenciais para implementarmos o ESG.

👉 Ficarei bem feliz em contribuir com você nesse processo de evolução pessoal ou coletiva. Vamos conversar? Temos muito o que fazer para implementar uma CULTURA ESG, fico a sua disposição para contribuir com Palestras ESG, Treinamentos ESG, Facilitação Workshops ESG, Mentoria liderança ESG, entre outros.

Até semana que vem!

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VAMOS VOAR JUNTAS?

Texto original:

Coaching e Jornada Profissional

Sobre Vera Regina Meinhard

Sou Vera Regina Meinhard, amo conectar pessoas para promover a consciência sobre a importância da inclusão da diversidade no alcance do sucesso sustentável, em especial a igualdade de gênero. Mestra em Sustentabilidade & Governança, sou criativa, inovadora, realizadora de sonhos e mãe da Saskia.

Meu propósito é contribuir com o desenvolvimento das pessoas. Após 25 anos como executiva do Groupe Renault France, desde 2013, por meio de diferentes abordagens, coloco-me integralmente à disposição deste propósito atuando na sociedade como escritora e empreendedora para trazer soluções em desenvolvimento humano: Consultoria em Gestão de Cultura Organizacional voltada para ESG e Inclusão da Diversidade, Facilitação de workshops, Mentoria Individual e Coletiva, Palestras, Treinamentos e Coaching.

Livro:

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