Banca EAESP FGV e tabus da menstruação

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Banca EAESP FGV e tabus da menstruação

Banca EAESP FGV e tabus da menstruação

Quinta-feira dia 1° de junho tive a oportunidade de participar da banca da @ ANNA Helena Martins, @Sofia Albanese e @Valentina Reis, alunas do Intent (módulo da graduação na FGV EAESP).

Quando o professor @Chico Aranha me convidou, fiquei muito feliz em colaborar com um amigo que admiro tanto. Voltei minhas lembranças afetivas para o tempo de graduação. Fizemos alguns trabalhos em grupo e muitas viagens divertidas. Lembranças muito boas que me estimularam a permanecer no espírito de eterna aprendiz (lifelong learning).

Outro motivo de alegria veio na sequência.

  • Participar desta banca me trouxe a oportunidade de iniciar minha jornada em um tema das Relações de Gênero Hierarquizadas que ainda não havia explorado: as crenças relativas à “Menstruação”.  Crenças repletas de tabus que escravizam as mulheres e pioram os danos fisiológicos no ciclo da TPM.

Passei então, rápido pelas questões do objeto de trabalho de consultoria das alunas sobre os absorventes produzidos pela NUA e relação desta com suas clientes.

  • O que me saltou aos olhos é o incômodo que a menstruação ainda provoca nas mulheres.

Em poucos minutos percebi como este tema é tabu entre as próprias mulheres, muitas mães ainda conversam pouco com suas filhas para explicar este ciclo da vida da mulher. E muito menos os pais.

Além das dores e da sensação de cansaço que podem, entre outros sintomas, fazerem parte deste período, fiquei surpresa de ver que a menstruação ainda é vista como algo ruim, sujo. Algo que devemos viver de forma escondida, sem deixar rastros. Isto acaba trazendo uma tensão suplementar ao ciclo menstrual, aumentando os sintomas.

Hoje existem estudos que indicam que os tabus acerca dos corpos femininos ainda exercem grande influência na modelagem dos comportamentos da mulher com o seu próprio corpo e da sociedade em geral com a organicidade do corpo da mulher. Ainda existe muita publicidade predominante que fortalece a rejeição das “naturalidades”, das mulheres. Isto intensifica o desconhecimento dos nossos corpos e do seu funcionamento natural. Acarreta a tensão pela vergonha de ser identificada menstruada, e com isto piora os sintomas.

Como ficaria sua autoconfiança e segurança se durante toda uma semana você passasse o tempo olhando para sua calça, saia, ou vestido para verificar se o sangue não vazou? Digo uma semana porque pensei nas mulheres com ciclo regular. Eu como tive uma menstruação nada regular, passei pelo menos duas semanas verificando, pois podia menstruar a qualquer momento.

Muito tenso achar que precisamos esconder um fato físico que faz parte da natureza do nosso corpo de mulher. E, inclusive, está relacionado com a reprodução.

Nos perguntam o tempo inteiro quando vamos ser mães. Muitas pessoas ainda acreditam que ser mãe é essencial para a realização de uma mulher.

  • Um paradoxo absurdo! Se ser mãe é nossa realização e depende da menstruação, como podemos associá-la a algo sujo que precisamos esconder?

No site do ministério da saúde (1) encontramos: “processo natural do corpo da mulher, a menstruação marca o início da puberdade e é caracterizada pelo sangramento causado pela descamação do útero quando não há fecundação.”

  • Com a maturidade eu aprendi a lidar com as naturalidades do meu corpo de mulher e entendi que a vergonha por causa destas crenças é das outras pessoas, não é minha.

Se minha menstruação vazar, tudo bem. Eu fiz minha parte. Se não foi o suficiente, é porque meu fluxo é muito maior do que qualquer absorvente seria capaz de conter durante uma hora de utilização. Uma hora seria o mínimo para que, por exemplo, possamos exercer uma vida profissional. No entanto, vale lembrar que a maioria dos produtos de higiene menstrual ainda são mal pensados para o conforto das mulheres, provavelmente porque foram idealizados por homens.

Vou contar duas situações que enfrentei no período menstrual, uma na adolescência e outra na vida madura.

  • Na adolescência, de férias na praia, passei por uma situação muito chata. Meu ciclo havia terminado e fui para a praia. Como meu fluxo era muito irregular, tive novo fluxo de sangramento quando estava na praia. Para complicar a situação, além do meu tio e meu irmão, estavam conosco 2 primos que eram crianças na época. O que aconteceu? Meu tio e meu irmão foram andar. E, deixaram, eu a mulher, sozinha com os dois meninos pequenos e turbulentos.Eles corriam de um lado para outro e eu precisava correr atrás deles, e o sangue escorria pelas minhas pernas, situação agravada pelo biquíni molhado. Desesperada, sem saber o que fazer, foquei na responsabilidade com as crianças. Quando meu Tio e meu irmão voltaram, uma hora depois, a única coisa que acharam para dizer foi: “que horror! Que vergonha, nós não vamos voltar ao teu lado! Não te conhecemos!”. Voltei enrolada na esteira de praia (não tinha levado toalha). Andei enrolada na esteira dura e áspera uns quatro quarteirões. Cheguei em casa me sentindo incompetente por não ter sido capaz de prever o acontecimento! Nenhuma menina merece passar por este momento emocional que rouba a nossa dignidade.
  • Anos depois, já bem trabalhada na questão, por volta dos meus 42 anos, me levanto da cadeira do escritório para me dirigir para uma sala de reuniões. De repente sinto minha secretária correndo para me segurar. Minha saia estava toda vermelha. Senti na expressão dela aquela sensação de vergonha alheia. Tranquilamente fui para o banheiro, pedi para ela conseguir algum produto de higiene menstrual, limpei o que deu na minha roupa e fui tranquila para minha reunião. Eu já podia conviver com a naturalidade do meu corpo de mulher. Talvez as outras pessoas não. E, a vergonha delas, teriam que resolver. Eu não me escondia mais.

E as lendas ligadas à romantização da virgindade « quem é  virgem não pode colocar OB”. Será que ainda existe?

Já viram como a menstruação também é objeto de gaslighting? Todas aquelas desqualificações da mulher na vida pessoal e profissional por causa da TPM vem destas crenças. Em vez de recebermos apoio, muitas pessoas ainda utilizam isso para criticar e dar feedback enviesado às mulheres quando elas se posicionam e lutam pelos seus direitos.

Quem não ouviu colegas dizendo de uma mulher exigente, ou ainda, que está solicitando alguma informação pela enésima vez:

  • “nossa! Que brava, grossa, deve estar de TPM”.

Nem toda mulher sofre, por exemplo, de sintomas de dor ou alteração de humor no ciclo menstrual. É preciso agir com respeito a este tipo de comentário, precisamos fazer nossa parte para acabar com estas falas que não são piadinhas. Nem brincadeiras. Elas são uma forma de desqualificar a mulher e colocar a menstruação dentro dos temas tabus.

A TPM (tensão pré-menstrual), ocorre independentemente de termos sintomas. Ou seja, é um erro acreditar que TPM está relacionada a estes sintomas. A TPM é causada pela variação hormonal, que acontece durante o período pré-menstrual, especificamente uma alteração iniciada após o período ovulatório. Essa mudança pode ou NÃO interferir no sistema nervoso central, causando uma série de sintomas.

Precisamos de apoio e não de desqualificação!

Precisamos nos informar e comunicar mais sobre a TPM para impedir os silenciamentos da mídia sobre a realidade dos ciclos, silêncio que deixa estas crenças sobreviverem e fazerem mal às meninas, e ainda a muitas mulheres adultas.

Precisamos também ativar a sororidade na busca de liberdade quando se menstrua, em vez de nos colocarmos numa bolha, ou pior, apontarmos o dedo para outras mulheres.

Eu sinto nos meus workshops do programa “Viva sua Voz” (desenvolvimento de mulheres), como a percepção sobre termos os mesmos medos traz liberdade de ser. Criamos a possibilidade de perceber que não é sobre cada uma individualmente e sim sobre uma estrutura social que nos subjuga e nos leva a auto punição.

Compartilhar provoca a vontade de sair deste lugar de suposta anormalidade. No caso da menstruação, sair da culpa de se sentir produzindo algo sujo, que precisa ser escondido.

Por exemplo, as mulheres se sentirem incomodadas com propagandas de mulher menstruada vestindo calça branca retrata o fato de estarmos subjugadas ao medo de mostrar sangue nas nossas roupas, como se fosse pecado.

  • Andemos de branco sem medo, se vazar, vazou!

Precisamos sair da visão deste tabu antigo que coloca a menstruação alinhada à vergonha, sujeira (2).

“Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.”

Eu falo de um lugar de mulher branca, hetero e privilegiada que pode comprar produtos de higiene menstrual. Consegue imaginar a situação das meninas e mulheres que nem isso podem fazer? As meninas se encontram fora do sistema escolar durante a TPM, como assegurar um bom desempenho com ausência de 25% em um ano letivo?

E, para finalizar, quero convidar os homens a conversarem sobre o tema. Abrir conversas é a melhor maneira de sair do tabu. Também convido as mulheres a se abrirem mais com parceiros homens e amigos.

  • Quando promovemos o conhecimento no nosso entorno, estamos melhorando a vida de outras mulheres também. Estes homens próximos de nós, com certeza cruzam mulheres como colegas, como prestadoras de serviço, etc. Se tiverem um novo olhar para a TPM, terão a oportunidade de escolher olhar para outras mulheres sem o tabu da menstruação.

Assim como a gravidez é um tema que deve ser tratado como algo do homem e da mulher, é prazer e ônus dos dois e não só ônus da mulher, a menstruação faz parte deste todo.

Conversando com uma amiga, ela me recomendou o livro “Segredos de Alice: no país das maravilhas uma viagem através do corpo feminino – hormônios, menstruação e autoconhecimento” a Bia Fioretti. Fica a dica.

Precisamos mudar isto. Quem viu o filme “RED: crescer é uma fera” da Disney, sabe do que falo. Um filme infantil retratando a possível menstruação da protagonista, uma menina no início da adolescência, como se fosse algo muito péssimo!

Ainda temos muito trabalho pela frente. Vem comigo, vamos falar mais sobre a menstruação sem tabus, sem medos!

Sobre Vera Regina Meinhard

Sou Vera Regina Meinhard, amo conectar pessoas para promover a consciência sobre a importância da inclusão da diversidade no alcance do sucesso sustentável, em especial a igualdade de gênero. Mestra em Sustentabilidade & Governança, sou criativa, inovadora, realizadora de sonhos e mãe da Saskia. Meu propósito é contribuir com o desenvolvimento das pessoas.

Por meio de diferentes abordagens, coloco-me integralmente à disposição deste propósito atuando na sociedade como escritora e empreendedora para trazer soluções em desenvolvimento humano: Consultoria em Gestão de Cultura Organizacional voltada para ESG e Inclusão da Diversidade, Facilitação de workshops, Mentoria Individual e Coletiva, Palestras, Treinamentos e Coaching.

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Comments
  • Ana Alice Queiroz
    reply
    19 de julho de 2023

    Vera, gostei muito deste seu artigo, que evidencia as muitas dificuldades, inclusive físicas, de ser mulher. Você descreve muito bem nossas dificuldades, e é impossível não lembrar de situações parecidas com as citadas, que todas nós enfrentamos! Grande abraço amiga!

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